CONFISSÕES DE UM REPÓRTER
Ironnia? Mendigo conversa com estátua de Carlos Drummond de Andrade
O poeta João Cabral de Melo Neto
COMO ENTREVISTEI CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
José Mário Lima
Corriam os anos de repressão política e nós na nossa vidinha de repórter, no Rio, um centro em ebulição das forças de reação a ditadura militar. Em 1969 voltei para O Globo, como repórter e acumulava a mesma função no JE – Jornal do Escritor, que ajudei fundar com o escritor e jornalista Jose Louzeiro.
Nessa época entrevistamos romancistas, contistas, poetas de todas as tendências e viajamos muito pelo Brasil. Numa série sobre as “vanguardas brasileiras” fizemos uma entrevista com o poeta João Cabral de Melo Neto e ele foi categórico ao afirmar:
-Sou mais famoso que Drummond!.
O Jornal do Escritor abriu manchete de primeira página, afinal João Cabral tinha uma espécie de rivalidade, com o consagrado Carlos Drumond de Andrade.
Daí em diante passei a tentar entrevistar Drummond. Mas o poeta não dava entrevista pra ninguém, naquela época.
Em 1969 Drummond largou o Correio da Manhã e passou a escrever suas Crônicas no Jornal do Brasil. Ai é que o poeta de Itabira ficou difícil, intransigente, a respeito de entrevistas.
Em 1970 , não lembro o mês, Carlos Drummond de Andrade publicou um novo livro de poemas (Caminhos de João Brandão, pela Editora Jose Olympio), e a imprensa inteira divulgou a noite de autógrafos, numa livraria do centro do Rio.
Lá fui eu designado pelo Globo para cobrir o lançamento. Ai não tive duvidas , encostei o microfone de meu gravador próximo a Drummond,, enquanto ele autografava os livros. O poeta era tão sisudo que dava medo e não respondia nenhuma das minhas perguntas. Fingia não ouvir e, para não ser indelicado aqui, ali, monossilava uma palavra, para responder as minhas insistentes perguntas.
- Poeta qual a importância desse novo livro, em relação a sua obra l iteraria?
- Poeta quais são seus projetos literários daqui para frente? Está escrevendo algo novo que queira mencionar?
E Drummond respondia, ora sim, ora não, mas sem entrar em detalhes. Torrei o saco do entrevistado, ele não podia nem pensar, pois estava ali no seu encalço, como um carrapato grudado em sua pele.
A certas alturas, indaguei:
-Que acha da afirmativa de João Cabral de Melo Neto, que disse ao Jornal do Escritor que é mais famoso do que o Sr.?
Foi a única fez que Carlos Drumond de Andrade perdeu a sisudez e a frieza.
- Cabral, mais famoso do que eu? Isso é brincadeira! Sou mais famoso do que ele.
E saiu de mansinho, tentando escapar no meio das pessoas que participavam do coquetel de lançamento.
Confesso: o que eu tinha gravado era quase nada, diante do que ele , o laureado poeta de “Uma pedra no meio do Caminho”, “Seleta em Prosa e verso”, poderia ter dito se tivesse um pouco de boa vontade, não fosse tão arredio aos repórteres , apesar de muito vaidoso.
Como os “sins e nãos”, com as palavras sincopadas do Poeta Maior da época, montei uma matéria de uma lauda para O Globo. E se não me falha a memória, pois já se passaram mais de 40 anos, tinha um titulo mais ou menos assim:
"Drumond diz que é mais famoso que João Cabral".
Não deu outra. A matéria como de praxe, foi reescrita pelos copy deskes de O Globo, e no outro dia estava na primeira página do Maior Jornal do País, de então.
No Jornal do Escritor minha matéria foi publicada na integra, sem cortes, pois José Louzeiro gostava da poesia de Drummond, mas não ia muito com o seu jeito mineiro, sisudo e impopular. Para ele, Louzeiro tinha uma frase especial:
- Drummond é um filho da p...!
E não o entendi até essa semana, quando estive com um outro companheiro da mesma época, e quando recordamos nossas sofridas vidas nos tempos da ditadura.
João de Deus Pinheiro Filho, hoje PHD em Física Nuclear, professor da Universidade Fluminense aposentado e membro da Cnen, me explicou o verdadeiro significado do termo:
- O mau caráter existe em toda sociedade e é ate aceitável! Mas o Filho da P.... esse deveria morrer e ir logo direto para o inferno.
E explicou:
- É que o Filho da P.... Não se conforma em te prejudicar. Ele quer te lascar mesmo, te fazer o mau!
Ai entendi a posição de Carlos Drummond de Andrade e sua reação "punitiva",por ter sido o primeiro repórter a entrevista-lo, “desvirginando” para sempre nas letras diárias de um jornal, o autor premiado das Letras Nacionais. E ele não podia me desmentir. Estava tudo bem gravado! Daí para frente Drummond passou a dar entrevista a qualquer jornalista que o procurasse.
No dia seguinte , a publicação de minha matéria em O Globo,( que gostaria muito de reavê-la nos arquivos daquele periódico),- Carlos Drumond de Andrade tentou me desmoralizar em sua coluna do Jornal do Brasil.
Narrou que durante o lançamento de seu livro um reportezinho lhe fizera a seguinte pergunta:
- Poeta quando publicará seu próximo romance?
Essa foi à maneira irônica que achou para me punir, afinal ele era Carlos Drummond de Andrade e eu um simples repórter "C" de O Globo. Quem acreditaria em mim, embora soubéssemos que Drummond nunca escreveu romances, só poemas, crônicas e contos?
José Louzeiro, Assis Brasil e muitos outros escritores acreditaram. Por isso meu esforço hercúleo foi editado na íntegra no Jornal do Escritor.
João Cabral de Melo Neto, então embaixador do Brasil em Barcelona, dono da cadeira numero 6 da Academia Brasileira de Letras, autor de inúmeros livros premiados, entre os quais "Morte e Vida Severina", deve ter dado boas risadas, quando tomou conhecimento da polêmica e com a hostilidade do sensível poeta de "Boi Tempo".
Ele mesmo nos diz em Vida e Morte Severina:
"...E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
(Morte e Vida Severina)
E Carlos Drummond de Andrade passou em nossas vidas como todas as coisas passam, menos nas lembranças e nos seus lindos poemas que sempre mostraram que o homem é um, e o artista é outro, como bem mostra seu poema:
CIDADEZINHA QUALQUER
1967 - JOSÉ & OUTROS |
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar ... as janelas olham.
ETA vida besta, meu Deus. |
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